Contratos - Aula 2

Introdução ao estudo dos contratos - Aula 2

Conforme discutimos no post anterior, cumpre a função social do contrato dentro da sociedade a proteção das relações negociais inserindo contrapesos diante da liberdade de contratar dos indivíduos para que existe equilíbrio nas relações, de modo que, caso uma das partes fira esta premissa e torne um contrato oneroso (excessivo) ou impossibilite o cumprimento da obrigação para a parte contrária (representa no contrato quem deve pagar) ensejará a intervenção do Estado sob pacto. Em relação a este tema é importante tratarmos da extensão da eficácia da função social do contrato, isto é, a proteção exercida no negócio jurídico. 

Eficácia da Função Social:
      A)     Função intrínseca: Eficácia “inter partes” (entre as partes envolvida na relação jurídico obrigacional) - Efetiva a proteção do crédito entre as pessoas envolvidas na contratação, trata-se na íntegra do conceito que foi dado no início desta publicação ao instituto civil. É o teor do enunciado 360 da IV Jornada de Direito Civil.
Enunciado 360: O princípio da função social dos contratos também pode ter eficácia interna entre as partes contratantes.

Enunciados são o resultado de uma série de debates (jornadas) realizadas por um corpo de estudiosos do direito sob determinada norma promovido pelo Conselho de Justiça Federal (CJF), não têm força de lei, porém serve de orientação para melhor aplicação e compressão da norma.

      B)    Função extrínseca: Eficácia “erga omnes” (produz efeitos contra terceiros)– Efetiva a proteção em relação a terceiros que inicialmente não compõem os polos da relação (credor e devedor) mas, em razão da extensão dos efeitos do contrato, poderão ser afetados pela resultado do contrato. Neste sentido o enunciado 21 da I Jornada de Direito Civil.
   Enunciado 21 : A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito.

Aspectos da eficácia interna da função social (função intrínseca):
A)     Proteção da parte mais vulnerável da relação contratual;
B)      Proteção da dignidade humana do contratante;
C)      Vedação ao enriquecimento sem causa (onerosidade excessiva)
D)     Nulidade e ineficácia das cláusulas antissociais;
E)      Tendência de conservação do contrato, sendo a sua ultima medida a extinção, trata-se do princípio da conservação dos contratos (enunciado 22 - A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas).

Aspectos da eficácia externa da função social (função extrínseca):
A)     Proteção dos direitos meta individual;
B)      O contrato pode gerar efeitos a pessoas estranhas aos contratantes.



Princípios que norteiam as relações contratuais:

Princípios podem ser traduzidos como os valores tradicionais e essenciais de determinada sociedade traduzidos por um dever social de conduta. No campo jurídico, embora alguns destes não figurem normas jurídicas, a sua observância se faz necessária, pois, no substrato principiológico está o justo, necessário para efetivar a justiça dentro da sociedade.



Para melhor compreender os efeitos que o contrato produz em relação à pessoas estranhas a relação jurídica, isto é, que não consentiram ou negociaram a formação daquele contrato é necessário pormenorizar o significado do 1) Princípio da Relatividade Subjetiva dos efeitos dos contratos:
Em regra, os contratos produz efeitos “inter partes” (entre as partes que contrata) sendo considerado no extinto diploma civil uma presunção “juris et jure” (absoluta, ou seja, não se admitia que um contrato pode afetar um terceiro). Entretanto, o código civil de 2.002 (Lei 10.406/02) reconheceu que os efeitos de algumas relações podem afetar direitos de pessoas alheias aquelas envolvidas (tutela externa do crédito), desta forma, buscou o novo código oferecer mecanismo de proteção em relação a terceiros, há diversas hipóteses reguladas pelo código civil:
·         
  Contrato de estipulação em favor de terceiro
Art. 438. O estipulante pode reservar-se o direito de substituir o terceiro designado no contrato, independentemente da sua anuência e da do outro contratante.
· Espécie de contrato que busca beneficiar um terceiro, que não figura como parte originária na relação jurídica. Um exemplo clássico são os contratos de seguro de vida, hipótese em que diante da morte do contratante, terceiros serão beneficiados. 
   Aliciamento
Art. 608. Aquele que aliciar pessoas obrigadas em contrato escrito a prestar serviço a outrem pagará a este a importância que ao prestador de serviço, pelo ajuste desfeito, houvesse de caber durante dois anos.
Esta relação se funda na intervenção de um terceiro em um contrato, buscando que uma das partes passe a exercer um prestação já convencionada com um contratante, a este terceiro.
·  Promessa de fato de terceiro
Art. 439. Aquele que tiver prometido fato de terceiro responderá por perdas e danos, quando este o não executar.
Trata-se da relação jurídica em que um pessoa promete em um contrato que um terceiro irá realizar determinada prestação.

Autonomia da Vontade:
A autonomia da vontade diz respeito a liberdade da pessoa escolher se quer contratar, com quem contratar, de como contratar e qual objeto será avençado, observado as determinações da lei.

3) Principio da Supremacia da Ordem Pública:
O princípio da supremacia da ordem pública impede que interesses individuais se oponham ao interesse coletivo. Este princípio possui ampla relação com os que já foram objeto de análise, sabendo que a autonomia da vontade não deve ser absoluta, deve esta respeitar os limites da função social assim como da lei, que tem como pressupostos a preservação do mínimo necessário para a manutenção da ordem pública. 
Com efeito, disserta Carlos Roberto Gonçalves sobre o tema “seu conceito corresponde ao da ordem jurídica considerada indispensável à organização estatal, constituindo-se no estado de coisas sem o qual não existiria a sociedade, assim como normatizada pelo sistema jurídico”.

4) Principio do Consensualismo:
Basta o consenso para o aperfeiçoamento do contrato. Indo contra o grande formalismo exigido no passado, basta que a vontade seja livre (vedada a coação).

5) Principio da Obrigatoriedade dos Contratos:
Ninguém é obrigado a contratar. Entretanto, se o indivíduo escolher contratar deve este adimplir a relação jurídica.

Equivalência material das prestações:
Reconhecimento de que fatores externos e supervenientes podem ocasionar uma situação de evidente desequilibro entre as partes, tornando uma previsão do contrato excessivamente onerosa ao devedor ou detentor do crédito (rebus sic standibus), buscará o juiz diante do caso concreto retornar o contrato ao seu “status quo”, em que não havia desequilíbrio/

Aspectos do principio da equivalência: 
  
   a)      Subjetivo (aspectos pessoais dos contratantes): analisa   vulnerabilidade das partes.
   b)      Objetivo (aspectos mais relevantes): analisa o equilíbrio real entre as prestações.
Desta forma o juiz ao analisar/revisar o contrato não se atentará somente ao desequilíbrio das prestações, mas também as características pessoais entre os contratantes, o poder econômico de uma das partes pode justificar o desequilíbrio.
·     Teoria da Imprevisão:
Nos contratos de trato sucessivo (exemplo: mensalidade da academia) e de execução diferida (pagamentos parcelados), em razão da influência de fatores externos e imprevisíveis pode o juiz a pedido da parte determinar a revisão do contrato.
Assim leciona o diploma civil:
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

São requisitos para a sua aplicação:
·         Fato novo que aconteceu depois da celebração do contrato;
·         O fato deve ser extraordinário (fugir da normalidade) e imprevisível;
·         As prestações devem tornar-se excessivamente onerosa caracterizando um desequilibro real entre as partes;

Neste sentido:
Enunciado 175 – A menção à imprevisibilidade e à extraordinariedade, insertas no art. 478 do Código Civil, deve ser interpretada não somente em relação ao fato que gere o desequilíbrio, 
mas também em relação às consequências que ele produz.

                                                Crédito:@fotolia/jotajornalismo
4) Boa-fé (boa-fé subjetiva+boa-fé subjetiva):

  a)      Boa-fé subjetiva (psicológica): Funda-se na convicção psicológica do individuo de que está agindo conforme o direito.
  b)      Boa-fé objetiva: A evolução do entendimento de boa-fé traz ao direito contratual além de um dever objetivo de conduta um princípio geral do direito. Sendo a boa-fé além de uma norma de conduta (subjetiva) como também de comportamento (objetiva). O enunciado 26 da I primeira jornada de direito civil entende a sua essência como “a exigência de comportamento leal entre os contratantes”.



Lembrando as lições de Miguel Reale o diploma civil de 2002 possui em sua essência três princípios norteadores: eticidade, socialidade e a operabilidade.
Estes princípios relacionam-se diretamente com o instituto da boa-fé, na eticidade encontra-se a concretização da lealdade entre os participantes, na socialidade tem-se a previsão de que os negócios jurídicos devem ser interpretados de acordo com a boa-fé e os usos do lugar de celebração (art. 133) e a operabilidade com o reconhecimento do conceito de boa-fé como cláusula geral, bem como de outros institutos que o legislador deixou que o intérprete encontre o sentido destes “conceitos vagos” e alcance em cada caso concreto o seu significado, ampliando os horizontes da justiça.
Trazida inicialmente para o Direito Brasileiro pela lei 8.078/90 o CDC (art. 4), novo Código Civil de 2.002 fora transcrita nos art. 113, 187, 422.



Do sentido de boa-fé subjetiva em que era analisado a intenção das partes, surge o conceito da boa-fé objetiva que passa ser compreendido como um dever de conduta das partes.
A boa-fé deve ser observada em todas as relações obrigacionais como deveres anexos.
Portanto, além do adimplemento da prestação principal da obrigação, a força de controle deste instituto exige das partes que determinados deveres de conduta seja observados:



- Dever de cuidado
- Dever de lealdade
- Dever de razoabilidade
- Dever de cooperação
- Dever de transparência
  Etc.

 Imagine que João comprou uma caneta de Pedro, deste modo, há uma obrigação de dar uma caneta mediante o pagamento pecuniário (dinheiro), não basta para concretude da cláusula da boa-fé que a caneta seja entregue, em seu mandamento o dispositivo exige que Pedro informe a situação do produto, o preço, a garantia e que transmita essa informação de maneira clara a Pedro.

Segundo a determinação do art. 422 “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
Assim sendo:
Enunciado 25 – o art. 422 do CC não inviabiliza a aplicação pelo julgador do princípio da boa-fé nas fases pré-contratual e pós-contratual.
O descumprimento destes deveres anexos pode acarretar inadimplemento contratual, pois viola a conduta exigida pelo diploma civil (violação positiva), além de nos termos do art. 187 fundamentar ato ilícito. Como já fora dito, embora não constitua a prestação nuclear da relação jurídica, constitui dever fundamental dos indivíduos de observância obrigatória.

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